quarta-feira, 8 de julho de 2009

Sr.Vitorino

Tenho sido parca em relatos de histórias reais com nomes fictícos, apesar de muitas constarem redigidas à velha maneira, da caneta e papel, nos meus apontamentos pessoais. Hoje resolvi postar aqui uma das mais antigas.

Sr. Vitorino (nome fictício)
Hoje (data já passada), ao entrar no 2.1 (actual unidade 2), fui fazer a minha actual ronda pelas enfermarias, para ver quem estava, os novos, os cromos repetidos e os que à muito por ali estão. Quando cheguei ao último quarto e direccionei o meu olhar para a cama junto à janela, tive um choque! Pois o meu amigo de confidências, que só ria, via desenhos animados e cujo só uma única vez ouvi proferir umas palavras imperceptíveis, não estava na cama e outro já havia tomado o seu lugar. O meu 1º pensamento, foi, fez a dita alta celestial! Coisa diária e comum por estas bandas, à qual estamos mais do que habituados, mas que sempre respeitamos. Perguntei a uma colega e ela informou-me que não. Tinha sido transferido para outra cidade, cujo o sítio recebia pessoas com a sua patologia. Fiquei mais contente, porque apesar da dita alta ser mais que certa ao meu amigo, é sempre bom saber que não ocorreu. Mas não deixo de sentir falta do Sr. Vitorino, apesar de ter comido o ursito de peluche que lhe ofertei! ehehe Só desejo que a filha saiba para onde foi e lhe agarre na mão com o carinho que tive oportunidade de presenciar. Foi colhido na rua e internado como sem abrigo e desconhecimento da existência de algum familiar, como muitos casos. Ninguém sabia do existir da filha Rita, Teen, por volta dos 13, 14 anos e da ex-mulher, que por um mero acaso lá o conseguiram descobrir. A ex. nunca mais voltou, mas a filha Rita, sim, e o amor pelo pai durante as parcas visitas, provavélmente contrariadas pela progenitora, eram atmosfera boa e pura junto à cama do meu amigo....Que jamais esquecerei! Para mim uma presença sentida!

Recusas ou receios em receber comida?

Desde o início desta minha profissão, muito recente, que me tenho vindo a apercerber que por vezes, certos doentes oferecem resistência a receber a alimentação, por receio! Uma das nossas tarefas, aquando, o doente não tem possibilidade em comer as refeições sozinho, é dar à boca as mesmas. Quer por impossibilidade física, quer por impossibilidade também de pura ausência do poder da voz e incapacidade manifesta de comunicação com o mundo que os rodeia. Imagino, eu, o sentimento de não poder dizer que não se não se gosta da sopa, que detestamos iogurte ou a papa está muito enjoativa! De qualquer maneira, a importância de quem recebe uma quantidade de terapêutica, é muito elevada. Ou seja, a alimentação feita de um modo correcto, quer em quantidade, quer em qualidade, é ao doente muito importante! Muitos cerram os dentes e não querem mesmo comer! Por vezes, a única maneira é o recurso à administração com a "bela" da seringa para alimentação de 50 cc. Da minha parte, o recurso a tal objecto causa-me a mim própria "recusa" alimentar. Jamais gostaria de receber a sopita de rajada dentro da minha boquita sem poder protestar! Julgo que ninguém ficaria satisfeito com tal forma de receber o repasto! Devido a essa circunstância, tudo eu faço para dar a boa da comida por colher. Primeiro tento manter contacto visual com o doente, passando para a tentativa de manter relação de confiança. É claro que muitas vezes em vão, mas também por muitas vezes dá resultado. Converso, em puro monólogo, de forma suave e com muita calma. Sim, calma e muita paciência é essêncial para o êxito de tal tarefa. Ao colocar a colher na boca tento também apercerber-me da morfologia da mesma e do estado dentário. Pois por vezes a colher pequena é o melhor recurso para tirar o receio, seguindo depois para uso da maior! Tenho conseguido alcançar bastantantes respostas positivas da parte dos doentes, utilizando esta metodologia. E tenho percebido também que as recusas provém de receios de modos de administrações anteriores! Comigo, a seringa 50 cc de alimentação é mesmo último, mesmo o último dos recursos!